A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de suspender a emissão de novos vistos de trabalho temporários para estrangeiros afetará brasileiros que planejavam se mudar para o país ainda neste ano. A estimativa do governo americano é que 525 mil pessoas de diversas nacionalidades sejam impedidas de entrar no país com a nova regra, que vai vigorar até 31 de dezembro. O governo alega se tratar de um esforço para reduzir a entrada de imigrantes à medida que o desemprego avança. A regra bloqueia a emissão de vistos temporários para diversas categorias de profissionais, como funcionários de empresas de tecnologia, pessoas com diploma universitário e pesquisadores, por exemplo. Restringe também a transferência de executivos estrangeiros e outros funcionários de empresas com operações nos EUA. No ano fiscal de 2019, foram emitidos cerca de 30 mil vistos temporários para brasileiros nas categorias atingidas pela lei, segundo o Departamento de Estado dos EUA. A emissão foi suspensa para as categorias H-1B, H-2B, H-4, que tratam de profissionais qualificados e seus acompanhantes, J-1 e J-2, sobre a transferência de profissionais de multinacionais ou empresas com operações nos EUA e seus companheiros, e o L-1 e L-2, de pessoas que vão estudar e se qualificar nos EUA. O processamento de vistos nos consulados dos EUA no exterior já caiu drasticamente em 2020. No mês passado, o país concedeu pouco mais de 40 mil vistos de turistas e outros visitantes de curto prazo - abaixo dos 670 mil em janeiro. Em 22 de abril, Trump já havia determinado o congelamento por 60 dias em várias categorias de vistos. Uma das pessoas afetadas é o pesquisador Paulo Laurence, que faz doutorado em distúrbios do desenvolvimento na Universidade Mackenzie. Ele planeja desde 2016 uma viagem ao exterior para aprimorar seus estudos. Seu plano era ir para Luxemburgo, mas mudou de ideia após conseguir uma orientadora nos EUA. "A ideia era ter ido no começo de março, antes de nos preocuparmos tanto com a pandemia aqui no Brasil. Mas a minha documentação atrasou e tive de mudar para agosto", conta o estudante, graduado em ciências biológicas. Agora, com o consulado americano fechado e as medidas de Trump para barrar a imigração, a pesquisa de Laurence pode ficar comprometida. "Como bolsista da Fapesp, posso viajar até seis meses antes do término da minha bolsa, então minha data limite para ir é 17 de dezembro. Se os EUA banirem a entrada de brasileiros até o ano que vem, eu perderia a bolsa", lamenta o pesquisador. Laurence não teria tempo hábil de buscar outro país para abrigar sua pesquisa, e espera que a Fapesp possa flexibilizar as regras de intercâmbio nesse caso. "Pelo menos minha orientadora americana está interessada, a gente tem discutido projetos. O que estamos tentando ver é fazer coisas remotamente. "O professor de relações internacionais da FAAP Carlos Poggio diz que a medida é inédita e tem a ver com a linha adotada pelo presidente desde que foi eleito em 2016. "Trump não é só contra a imigração ilegal, agora mostrou que é contra a imigração como um todo." O próprio professor poderia ter sido afetado pela nova regra. Em 2018, fez um pós-doutorado na Universidade de Georgetown, em Washington, o que não seria possível com a norma em vigor. O professor Poggio qualifica a medida, além de conservadora e nacionalista, como "trumpista". "Os EUA foram um país construído a partir da imigração", diz. O pesquisador lembra que discurso nacionalista ganha mais aderência em meio a uma pandemia global.Uma pesquisa do Washington Post com a Universidade de Maryland publicada em maio mostrou que 65% dos americanos apoiam uma suspensão temporária da imigração durante a pandemia.*G1Foto: Reuters