Os aposentados José Souza Rocha, de 68 anos, e Maria da Glória Satiro, de 65, cumpriram à risca a promessa de que estariam juntos "na saúde e na doença", feita há 47 anos, quando se casaram. O casal recebeu alta do Hospital Municipal Doutor Nelson de Sá Earp, em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, após se recuperar da Covid-19. Deixaram o local emocionados e sob aplausos. Os dois deram entrada na unidade, no último dia 16, com suspeita de coronavírus, depois de realizarem exames preliminares na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Itaipava, distrito petropolitano. Poucas horas separaram a transferência de cada um, acomodados em alas diferentes. Ambos integram o grupo de risco da doença. "Estamos sempre juntos na luta, na doença e na alegria. São 47 anos, uma vida inteira. Eu estava sem vê-lo desde a outra semana, ficava preocupada", disse Maria da Glória em entrevista a ÉPOCA. "No momento em que a gente tem uma separação, que não é provocada por nós mesmos, é muito triste. Quando consegui unir minha família outra vez foi uma alegria enorme. A gente começa a ver determinadas coisas que quando a gente está bem não consegue ver. Família é o esteio, o princípio de tudo", contou José. O casal começou a apresentar sintomas há cerca de 20 dias. Um de seus três filhos já havia contraído a doença, mas não estava em contato com os pais, segundo eles. Nas primeiras idas ao médico, o diagnóstico foi sinusite - inflamação que acometeu José em outras ocasiões e, por isso, ele não desconfiou. Os antibióticos receitados, porém, não surtiram efeito. A febre de José aumentou até 40 graus, enquanto Maria da Glória lidava com as dores no corpo e a sensação de "um resfriado". A aposentada também é diabética, hipertensa e tem bronquite, condições que deixam o paciente mais vulnerável às complicações do coronavírus. "Não foi uma febre comum, em que a gente sente arrepio de frio. Eu sentia uma queimação por dentro que era uma coisa terrível. É um desconforto tão grande que você tenta mas não consegue encontrar saída para aquilo. Perdi o paladar, não sentia o cheiro de nada. É muito terrível. Mas aconselho as pessoas a tentarem comer alguma coisa, mesmo sem gosto, para o organismo resistir, e tomar muita água. Isso que me ajudou", afirmou José. Ao contrário do marido, Maria da Glória não teve febre tão elevada. Seu quadro se agravou quando sentiu falta de ar. "Meu problema foi o ar, a respiração, que fechou tudo. Só conseguia respirar pela boca. Foi isso que me deixou desesperada", contou. Ao ser internada, a glicose e a pressão estavam altas, bem como os batimentos cardíacos. Ela precisou de oxigênio até a última quinta (21), quando conseguiu respirar sozinha sem problemas. Mesmo em estado delicado, ela não descansava se não recebesse informações sobre seu marido. Temia pela febre incessante. A distância da família, sempre próxima, também afligia. Além do trio de filhos, eles têm seis netos. "A doença é terrível, muito triste. Começa a ser triste pelo isolamento em que a gente fica e pelo que a gente passa lá dentro (do hospital), A equipe de médicos e enfermeiros foi muito legal, nos tratou super bem. Mas eles fazem o que podem fazer, porque remédio específico para isso a gente sabe que não existe", disse José. A Organização Mundial da Saúde (OMS) suspendeu nesta segunda (25) os testes com a substância hidroxicloroquina, que chegou a ser usada em pacientes com Covid-19. Estudos apontaram que não há comprovação de sua eficácia e que ela pode aumentar o risco de morte. Na contramão, o Ministério da Saúde autorizou na última quarta (20) a prescrição do medicamento, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Durante quase meio século de casados, Maria da Glória não titubeia ao afirmar que "foi o momento mais difícil" nesse período. "A gente vê todos os dias o que está acontecendo. Foi complicado. Teve muita bênção de Deus, e sei que os médicos também estão ali dando a vida deles. Eles dão muita esperança à gente", disse. "Com aquela falta de ar, eu pensei que não ia voltar mais para casa. Voltei", vibrou a aposentada. O casal está curado da Covid-19 e se recupera em casa com a ajuda da filha Graziela Satiro. A funcionária pública, de 40 anos, não conteve as lágrimas ao ver a cena dos pais deixando o hospital lado a lado. *G1 Foto: Arquivo pessoal